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(pt) Italy, UCADI #189 - DRAGÕES (ca, de, en, it, tr)[traduccion automatica]
Date
Thu, 17 Oct 2024 08:53:02 +0300
Para aqueles que realmente pensam que o governo pode ser definido de
alguma forma com o termo "soberanista" (seja lá o que esta palavra
signifique) e minimamente críticos do domínio absoluto que o capital
alcançou nos últimos 30 anos, gostaria de me concentrar no algumas
características específicas, que realmente parecem representar um caso
escolar. ---- Como sabemos, para funcionar, o capital necessita de um
sistema jurídico específico que, antes de mais nada, proteja a
propriedade privada, que coloque os cidadãos (mas não todos, e voltarei
a isto abaixo) no mesmo nível (a igualdade jurídica como a neutralização
da a diversidade de classe) e que garante sobretudo, de baixo para cima,
os direitos de propriedade e de lucro contra qualquer limitação, tanto
por parte do Estado como dos pequenos e médios produtores. O "natural" a
tendência do capital para o monopólio significará que, perante a lei, a
multinacional que factura mais do que um Estado será igual ao cidadão
individual prejudicado por ela, às pequenas empresas apanhadas nas suas
garras, ou ao interesse público que se opõe.
Este aspecto do ordoliberalismo (ou seja, o Estado que manifestamente
facilita a acção do capital[1]) criou um inimigo de classe que é muito
menos fácil de combater do que o antigo liberalismo. O ordoliberalismo
surge da consciência de que o método de produção capitalista é histórico
e não imanente, e esta consciência significou que, paradoxalmente (mas
nem tanto), ao recrutarmos plenamente o Estado, que já não é o Estado
"mínimo" do século XIX, temos passou a apresentar o capital como "a
ordem natural das coisas". Um método hegemônico que parece ter feito
maravilhas.
Contudo, como é óbvio, a construção legal, a propaganda do soft power e
o alistamento de tropas incorporadas a todos os níveis não foram capazes
de eliminar a realidade. E no capital a realidade é dada pela presença
objetiva do conflito de classes. Como já aconteceu na história
contemporânea, nestes casos a política ultrapassa o papel previsto pelo
ordoliberalismo e tenta reconduzir o confronto de classes a uma lógica
"nacional" e "popular".
Isto é o que este governo está tentando e tentando fazer.
Tal como já aconteceu com Berlusconi nas décadas anteriores, a direita
apresenta-se na cena política italiana como "outsiders". Esta
auto-representação correspondia efectivamente à realidade, dado que o
capital italiano, o do passado, o dos Agnelli, por assim dizer, estava
muito melhor com a velha classe dominante democrata-cristã e também
comunista, num panorama completamente diferente do aquilo que foi
estruturado a partir da revolução digital.
Tal como nos EUA, com Trump (mas talvez mais ainda com Reagan),
Berlusconi, um capitalista global, mas aparentemente não "interno",
conseguiu representar bem uma classe média (em Itália tradicionalmente
reacionária e subversiva em termos de direitos sociais, mas não em
termos de "liberdade pessoal") que começavam a ter medo das mudanças
globais.
A direita atual, porém, faz uma operação diferente. Tendo tomado nota da
absoluta impossibilidade de a Itália desempenhar qualquer papel no seio
do capital global (já que a esquerda e a direita "globalistas", de
Ciampi a Monti, de Draghi a Renzi, completaram a demolição da indústria
italiana, cumprindo perfeitamente as ordens do mundo financeiro
transnacional) e certificou o papel subordinado do nosso país em todos
os domínios (exceto no turismo, típico de um Estado destinado ao
subdesenvolvimento), deve portanto operar, como dito acima, uma
reviravolta que não é nova nem original. Isto é, trazer o conflito
intercapitalista e de classe de volta ao contexto nacional, para ser
entendido no sentido de sangue e solo.
Uma espécie de nacionalização das massas um pouco tola, mas eficaz, para
a qual evitaria qualquer comparação com Mussolini, que, vindo do
socialismo italiano, sabia muito melhor trabalhar com as multidões e com
a burguesia italiana.
Os dois pilares verdadeiramente exemplares das declarações de Matteo
Salvini e do novo decreto de "segurança" enquadram-se neste contexto.
Salvini está sob investigação por um crime específico, o de sequestro
que é um dos crimes 'como sempre pessoais' previstos no Código Penal. A
resposta do político, nem casual nem apaixonada (Salvini é um péssimo
actor mas tem uma equipa de excelentes profissionais de comunicação) não
se interessa por este aspecto, aliás, contorna-o e fala directamente ao
"povo". Esta "direita" pré-romana e também proto-nazi[2]é uma direita
diferente da direita abstracta em que o Ocidente baseou a sua história.
Na verdade, nem tudo, porque naquilo que Canfora define como "O Extremo
Oeste", ou seja, o império norte-americano, está absolutamente presente
este aspecto do "consenso popular" e da "vingança", permeado por uma
cultura bíblica que se detém no Antigo Testamento. E se a pátria do
capital também convive felizmente com este tipo de lei "teutônica",
desde que mantenha os pilares de que falamos acima.
Aqui Salvini, portanto, pode agir calmamente e falar de forma
subversiva, no que diz respeito ao nosso sistema, certo de que as
classes dominantes (que de facto precisam de imigrantes para trabalhar,
mas certamente não são conhecidas pela sua capacidade de se deslocarem
e, de facto, pela imigrante irregular é uma declinação absolutamente
positiva para eles), não terão nada a que se opor (ao contrário das
piadas sobre a abolição de Fornero - que este governo, em vez disso,
tornou pior).
Falamos, portanto, directamente ao "povo", à barriga, ao direito penal
que deve respeitar o consenso, deve adaptar-se ao espírito da época,
para além e muito além do princípio da legalidade. Acredito que a
restante esquerda ainda não compreendeu o quão devastador este aspecto
pode ser para as classes mais baixas.
E me parece que ele nem entendeu o novo decreto de segurança: um decreto
totalmente classista, onde, diante do amordaçamento da imprensa pelos
excelentes suspeitos e da defesa cabal de toda sujeira combinada pelas
classes dominantes ( os dominantes, como disse acima, não dão a mínima),
as penas e a repressão aos comportamentos criminosos são
impressionantemente aumentadas, especialmente ligadas a protestos,
manifestações, crimes menores. Depois, obviamente, um hype
impressionante na TV (todas: públicas e privadas) no "dá ao ladrão" e um
noticiário policial que (diante de estatísticas que não registrariam
avanços na criminalidade, mas, como sabemos, a realidade é que isso está
a ser construído) tornou-se a peça principal dos jornais e noticiários
televisivos, com detalhes mórbidos e odiosos, todos visando criar um
clima de consenso para uma repressão que promete ser muito dura, dadas
as reais condições sociais e económicas condições de grande parte da
população.
Obviamente este aspecto: a repressão, o racismo e o autoritarismo andam
de mãos dadas com a obediência aos ditames ordoliberais e financeiros de
"a Europa pede-nos isso" (isto é: cortes nos cuidados de saúde, nas
pensões e uma austeridade perene que o chefe dos patrões ou Draghi
gostariam combater - vale dizer - aumentando os gastos militares).
Mas a esquerda é duplamente cega. Ele não consegue ver que o Meloni
interno é o espelho do externo e que os dois aspectos se tocam. Mas a
política externa, propensa aos desejos da UE liberal, não pode ser
criticada, dado que quase todos concordam com essas políticas e,
portanto, o ataque ao "fascista" de Meloni é uma arma contundente. Basta
ver as condições em que a esquerda chega à guerra e ao Médio Oriente,
onde Tajani parece mais moderado do que uma parcela notável do PD, em
plena euforia de guerra, enquanto permanece em silêncio sobre o
genocídio em Gaza.
Afinal, Meloni é filha de Draghi. Uma filha menor que quebra alguns
brinquedos, mas obedece ao pai. Se não fosse terrivelmente trágico,
estaríamos diante de uma nova série de televisão de sucesso.
Andrea Bellucci
[1]Um texto fundamental ainda permanece o de P. Dardor e C. Laval "A
nova razão do mundo. Crítica da racionalidade neoliberal", Derive
Approdi, 2019 (ou. ed. 2013). Nesse sentido, entre os muitos pontos
abordados pelo complexo e discutido volume, há um que talvez não tenha
recebido a atenção que merecia. Ou seja, o crescimento anormal da
burocracia que a ideologia subjacente à UE colocou em prática com a
ideia de que tudo deve estar em concorrência, incluindo as instituições
públicas (niveladas numa base "igual" às privadas). Isto levou não só à
monstruosa levitação de documentação cada vez mais complexa e
auto-referencial (daí as novas profissões que visam "decodificar" esta
inextricável floresta de regras, diretrizes, FAQs, muitas vezes em
conflito entre si), mas também à exponencial utilização da prática
judicial, tornando o contencioso o caminho normal seguido pelo processo
administrativo. Isto tem dado origem ao desenvolvimento de condutas
"defensivas" que as diversas instituições têm implementado, que ainda se
somam à rede "regulatória" cada vez mais indissociável. Este tipo de
hiperburocracia, porém, não tem sido alvo das críticas ferozes que em
anos anteriores atacaram a "estatal". Pelo contrário. Isto porque é
parte integrante da ideologia e prática neoliberal e ordoliberal. Isto
confirma que o Estado se tornou um componente fundamental da mesma
reviravolta pró-mercado de toda a sociedade.
[2]Ver a este respeito o notável ensaio de Johann Chapoutot, "A lei do
sangue. Pensando e agindo como nazistas", Einaudi, 2016.
https://www.ucadi.org/2024/09/28/dragoni/
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