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(pt) Brazil, OSL: A Embat - entrevista com a OSL, explicar nossa proposta de organização e a construção do socialismo libertário (ca, de, en, it, tr)[traduccion automatica]
Date
Thu, 3 Oct 2024 09:24:56 +0300
"Fica evidente que não há qualquer possibilidade de apostar no
espontaneísmo" ---- A Embat - Organização Libertária da Catalunha -
realizou uma entrevista com a OSL, em que pudemos explicar melhor nossa
proposta de organização e a construção do socialismo libertário.
Publicamos agora a tradução para o português da segunda parte da
entrevista, em que trazemos elementos de conjuntura, história e sobre as
lutas no Brasil. Em breve também publicaremos a terceira e última parte.
A primeira parte pode ser lida aqui.
PARTE 2: CONJUNTURA, HISTÓRIA E LUTAS BRASILEIRAS
Entre os protestos de 2013 e o primeiro ano de retorno do PT ao governo,
depois do golpe e de Bolsonaro, ao mesmo tempo em que a CAB cresceu até
a cisão, como vocês avaliam esses últimos 10 anos? O que mudou na
política e na sociedade brasileira?
Os últimos 10 anos tiveram como resultado uma mudança grande em termos
de conjuntura política e social no Brasil. Em termos gerais, houve, de
um lado, algumas tentativas para avançar a uma esquerda mais
radicalizada, à esquerda do Partido dos Trabalhadores (PT), e também a
perda de apoio e a moderação crescente do PT e do petismo (força
política e social vinculada ao PT). De outro lado, houve uma
radicalização considerável da direita, conformando uma nova
extrema-direita - o bolsonarismo (força política e social vinculada a
Jair Bolsonaro).
Esse processo se iniciou com o desgaste dos anos de governo petista
(2003-2013), caracterizado pela conciliação de classes, quando se tornou
econômica e socialmente impossível continuar o que se chamou de "jogo de
ganha-ganha" (manter os lucros dos de cima e proporcionar algumas
melhorias para os de baixo). Esse esgotamento tem raízes na economia
internacional, quando os efeitos da crise de 2008 se difundiram
globalmente e o boom das commodities no Brasil começou a se enfraquecer.
E também na maneira que o governo do PT lidou com esses efeitos:
políticas econômicas, articulações políticas, imprensa etc.
Fato é que o período entre 2013 e 2016 foi marcado por uma grande
insatisfação popular e, ao mesmo tempo, por mobilizações populares
importantes. Houve um número recorde de greves, uma organização maior da
juventude, assim como protestos de rua, ocupações etc. Em muitos casos,
isso significou um ascenso mais radicalizado de lutas, que esteve à
esquerda do PT e do petismo, e conseguiu manter certa independência em
relação a eles.
A mais importante dessas mobilizações foi o Junho de 2013, quando o
Movimento Passe Livre (MPL) de São Paulo, de orientação ideológica
autonomista/libertária, promoveu atos contra o aumento do preço das
tarifas de ônibus, metrôs e trens. O movimento se alimentou de um
contexto ascendente de lutas em torno do transporte, que vinham sendo
promovidas em outras localidades (com destaque para as cidades de Porto
Alegre, Goiânia, Natal e Rio de Janeiro). Ele se massificou e se
nacionalizou; conquistou grande apelo popular e, em diferentes
circunstâncias, assumiu certa radicalidade.
Em diferentes regiões, essas manifestações começaram a ser fortemente
disputadas por forças políticas muitas vezes opostas. É certo que havia
presença das várias forças de esquerda, tanto as mais moderadas quanto
as mais radicalizadas. Mas também havia presença de uma direita, que
passava naquela ocasião a frequentar as ruas (algo que era raro até
então) e que se radicalizava progressivamente. Um certo espírito de
antipolítica era crescente, e também disputado pelas forças em jogo à
esquerda e à direita.
Essa luta terminou vitoriosa, e abriu as portas para uma nova conjuntura
no país. Por um lado, os anos de 2014 e 2016, como falamos, contaram com
processos expressivos de luta, como as manifestações contra a Copa do
Mundo (2014), as ocupações de escolas secundaristas e universidades
(2015-2016), além de inúmeras greves e mobilizações. Mas, por outro
lado, esse foi um período fundamental de estímulos à direita: o processo
de golpe contra a presidenta Dilma Rousseff avançou e se concretizou; a
Operação Lava Jato, por meio de um processo de lawfare, estimulou esse
sentimento antipolítica num sentido anti-PT e antiesquerda; uma política
nacional mais aberta e agressivamente neoliberal foi impulsionada pelo
governo Michel Temer.
No contexto desse enfrentamento, a direita caminhou majoritariamente à
extrema-direita, num processo de radicalização fascistizante que
culminou na eleição de Bolsonaro em 2018; a esquerda viu enfraquecidos
seus projetos mais radicalizados e, hegemonicamente, respondeu
caminhando ao centro, (re)agrupando-se em torno do petismo e propondo
formas de dialogar com o centro e a centro-direita.
Durante os anos de governo Bolsonaro (2019-2022), passamos pela pandemia
de COVID-19 com um governo negacionista, que se negou a comprar vacinas
e que terminou sendo responsável por parte considerável das 700 mil
mortes que tivemos no Brasil. Além disso, em termos econômicos esse
governo avançou bastante em projetos liberalizantes, que implicaram o
crescimento da pobreza e a piora da condição de vida dos trabalhadores;
em termos políticos, ele estimulou o fortalecimento da presença dos
militares na política e avançou em projetos autoritários, flertando com
golpes e medidas de exceção; em termos ideológicos e morais, com ampla
ajuda das igrejas evangélicas (principalmente neopentecostais),
contribuiu para normalizar os absurdos neofascistas na sociedade brasileira.
A vitória apertadíssima de Lula em 2022, fruto de uma frente ampla que
uniu desde a esquerda até a direita moderada, não modificou muito esse
quadro. Neste momento, o governo Lula tenta retornar sem sucesso às
fórmulas conciliadoras do início dos anos 2000; está constantemente
encurralado pela extrema-direita e pela direita tradicional ("centrão"),
que é fortíssima no legislativo nacional. Em termos sociais, a grande
disputa colocada atualmente é entre bolsonarismo (extrema-direita) e
petismo (centro-esquerda, cada vez mais ao centro). Não há perspectivas
de mudanças significativas em termos econômicos, políticos e culturais.
O que vocês aprenderam com tudo isso?
Nesses últimos 10 anos, falando mais especificamente do anarquismo
brasileiro, houve momentos de fluxo e refluxo. Tivemos alguma influência
nesses processos de luta (a depender da região, maior ou menor), mas nem
de longe conseguimos ser nacionalmente determinantes. E muito menos ter
um impacto mais significativo nessa conjuntura brasileira. Podemos
apontar alguns aprendizados que tivemos nesse período.
Primeiro, ficou evidente que o descontentamento e a mobilização popular
não necessariamente caminham à esquerda, e muito menos num sentido
revolucionário e libertário. Ou seja, como a história também nos ensina,
em processos de radicalização de luta, todas as forças se colocam em
disputa, inclusive a extrema-direita. Mais uma vez, fica evidente que
não há qualquer possibilidade de apostar no espontaneísmo. As massas não
sairão às ruas e automaticamente construirão projetos de esquerda,
revolucionários, libertários, mesmo que sejam estimuladas a isso por
coletivos com essas posições.
Segundo, a esquerda radical, revolucionária (entendendo aqui o
anarquismo como parte dela), precisa ter condições reais não apenas de
estimular mobilizações e revoltas populares, mas de dar a elas um
direcionamento preciso. Essas lutas precisam ser construídas
cotidianamente, e a produção de uma cultura política libertária parece
ser fundamental para isso. Quando tratamos do anarquismo, o que
aconteceu no Brasil também reforça nossa leitura de que, para essa
construção e esse direcionamento num sentido libertário, e para que os
movimentos e as mobilizações que surgem constantemente possam apontar
para um projeto socialista e libertário de transformação, não há como
abrir mão de uma organização política.
Para nós, isso significa um partido/organização anarquista unitário e
coerente, com capacidade de incidir na realidade de maneira eficaz, e de
disputar concretamente os rumos de lutas, mobilizações e conjunturas
desse tipo. Uma organização política anarquista que seja capaz de
perdurar no tempo, registrar e discutir os acúmulos, e incorporá-los em
uma prática política coerente e influente. Sustentamos que é essa
organização que pode dar as respostas necessárias, não apenas às
conjunturas desse tipo, mas avançar para transformações estruturais da
sociedade. É o partido/organização anarquista - na medida em que tem uma
presença influente nos setores mais dinâmicos das classes oprimidas,
assim como um programa e uma linha estratégica-tática adequados - que
tem as condições de estimular e contribuir com a construção de um
projeto de poder popular autogestionário.
Terceiro, ficaram claros os riscos de que a esquerda brasileira
permaneça restrita aos limites do petismo. Há décadas que o PT tem ampla
hegemonia na esquerda de nosso país, tanto em termos políticos quanto
sociais. Quando olhamos para a trajetória histórica desse partido,
percebemos um movimento progressivo de burocratização, afastamento das
bases e deslocamento rumo ao centro. O PT surgiu em 1980, com uma
posição de esquerda, majoritariamente vinculada à socialdemocracia
clássica, ainda que contasse com a presença de setores mais
radicalizados e com uma base popular de massas considerável (sindicatos,
movimentos sociais etc.). O que ocorreu ao longo dos anos 1980 e 1990, e
que se acentuou bastante nos anos 2000, foi a cisão dos setores mais à
esquerda e um movimento crescente de caminhada em direção ao centro.
Esse processo envolveu não apenas o afastamento das bases, mas um
esforço ativo para minar antigas e novas iniciativas de articular e
mobilizar essas bases, em favor de um projeto burocrático e centralizado
de poder.
Quarto, a necessidade de trabalhar na construção de uma nova esquerda
radical, à esquerda do petismo, e, como parte dela, disputar seus rumos
num sentido libertário. 2013 evidenciou uma insatisfação generalizada da
população com a situação do Brasil. Notem que quem deu uma resposta
"antissistema", "contra tudo isso que está aí" (frase muito dita por
Bolsonaro), foi a extrema-direita, mobilizando a noção fascista de
"revolução na ordem". Em nossa avaliação, havia (e ainda há) espaço para
uma esquerda radical fazer a disputa dessa insatisfação generalizada. E
não nos parece razoável combater a extrema-direita neofascista com
moderação e conciliação de classes.
Quinto, percebemos nesse processo um avanço no debate das pautas de
raça, etnia, gênero e sexualidade, e consideramos isso muito positivo.
Entretanto, também notamos que, junto desse processo, houve um enorme
crescimento da influência pós-moderna e identitária no Brasil, tanto à
direita quanto à esquerda, algo que para nós é profundamente problemático.
Na esquerda (e mesmo no anarquismo), esse identitarismo pós-moderno -
que tem grande influência do liberalismo dos EUA e da Europa - tem
promovido o individualismo, a fragmentação e a dispersão das lutas (cada
um/setor luta apenas pela "sua" causa); tem prejudicado os debates
coletivos e desvinculado as importantes pautas mencionadas (gênero,
sexualidade, raça, etnia etc.) de uma base de classe e de uma
perspectiva classista e revolucionária de luta. Isso vem fazendo com que
se confunda quem são aliados, aliados em potencial, adversários e
inimigos; com que se trate os diferentes como inimigos; e com que se
lide com a diferença de maneira autoritária.
Que fique clara nossa posição sobre este quinto ponto. Nacionalidade,
gênero-sexualidade, raça-etnia são questões importantíssimas. O que
estamos criticando é a influência pós-moderna e liberal em seu
tratamento, a qual acreditamos ser necessário combater por meio do
fortalecimento de uma perspectiva socialista, libertária, classista,
internacionalista e revolucionária. E mais. A realidade não pode ser
entendida de maneira completamente subjetiva (como a noção de que não há
uma realidade material, objetiva, mas apenas diferentes olhares,
vivências e narrativas). E as identidades não podem ser desvinculadas da
realidade material (estrutural, conjuntural etc.) em que são produzidas.
Na Europa, chama atenção o crescimento das igrejas evangélicas no Brasil
e sua penetração nas classes populares, arrastando-as para posições
profundamente reacionárias. Como uma organização revolucionária pode
enfrentar esta situação?
Recentemente, saíram pesquisas mostrando que estão sendo abertas 17
igrejas evangélicas por dia no Brasil; já há mais igrejas no país do que
hospitais e escolas somados. Essas igrejas vêm ocupando espaço nas áreas
em que o Estado só chega com repressão, e também espaços que, décadas
atrás, tinham presença da esquerda e dos movimentos populares. Hoje,
qualquer força política que atue nas periferias das grandes cidades tem
que lidar com as igrejas evangélicas, como no caso de nossa militância
comunitária.
As expressões de esquerda dos evangélicos - como, por exemplo, a
teologia da missão integral (que cumpre um papel análogo àquele que a
teologia da libertação cumpria/cumpre entre os católicos) - estão muito
enfraquecidas. Vêm preponderando cada vez mais entre esse público as
posições moralmente conservadoras e economicamente liberais.
Nas pautas de costumes e morais, os evangélicos tendem a ser
conservadores ou mesmo reacionários, por exemplo, se opondo frontalmente
ao direito ao aborto. Nas pautas econômicas, tendo em vista o chamado
neopentecostalismo evangélico, vinculado à chamada "teologia da
prosperidade" (setor que mais cresce entre os evangélicos), há uma forte
doutrinação neoliberal. Isso porque há valores que têm sido propagados
por essas igrejas que fortalecem essa visão de mundo, como, por exemplo,
o estímulo ao enriquecimento em vida e a defesa do empreendedorismo
individual como caminho de salvação.
Contudo, essas posições não são completamente hegemônicas. Há, ainda,
setores que apoiam políticas de auxílio social e pautas econômicas mais
vinculadas à socialdemocracia; que, por exemplo, votaram em Lula nas
últimas eleições. Mas, com o fortalecimento da extrema-direita no
Brasil, as igrejas evangélicas têm caminhado progressivamente à direita
e constituído, mesmo que sem grande homogeneidade, um pilar destacado de
apoio do bolsonarismo. O governo do PT acreditou que seria possível
atrair esse setor oferecendo benefícios e apoio político, mas tem se
tornado cada vez mais claro que essa não é uma saída possível. Mais cedo
ou mais tarde, a maior parte desse setor terá que ser duramente enfrentada.
Obviamente, dentre os bispos e pastores das grandes igrejas evangélicas,
há inúmeros "mercadores da fé", que usufruem desse crescimento para
explorar os fiéis, enriquecer pessoalmente e expandir seu poder
econômico e político. Agora, também chama atenção nesse crescimento dos
evangélicos, um papel que as igrejas vêm cumprindo, em especial nas
áreas urbanas periféricas: dar respostas a certas necessidades que o
capitalismo contemporâneo vem produzindo, e que giram em torno de
trabalho, acolhimento, sociabilidade, superação das dificuldades
cotidianas etc. Por exemplo, quando esses evangélicos explicam por que
vão à igreja, falam em questões como: conseguir emprego, acessar pessoas
que os escutem, fazer amizades, ter espaços de lazer (educação, esportes
etc.) para a família, construir a esperança de um amanhã melhor,
fortalecer redes de apoio mútuo (escuta, empréstimo de dinheiro, abuso
de drogas etc.), colocar regras na vida (bebidas, trabalho, crime etc.).
Um socialdemocrata poderia dizer que essas são funções que deveriam
estar sendo realizadas pelo Estado, e na medida em que o Estado só
acessa essas regiões para a repressão, as igrejas evangélicas têm
ocupado esse espaço. Mas ao observar a história e a sociedade
brasileira, há outra possibilidade de resposta. Houve diferentes
momentos em nossa história que os movimentos populares deram respostas a
essas necessidades, como no caso do sindicalismo revolucionário do
início do século XX ou das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs),
vinculadas à teologia da libertação, nos anos 1970 e 1980. Sobre este
último caso, é interessante notar que a mencionada burocratização do PT
fez com que os espaços abandonados nas periferias fossem ocupados pelas
igrejas evangélicas e por outras instituições.
Vejam como essas mesmas necessidades podem ter respostas contraditórias.
Hoje, um trabalhador que frequenta uma igreja evangélica para atenuar
seu sofrimento cotidiano e nutrir uma esperança de melhoria será
estimulado a pensar que, dentro em breve, pode ficar rico como o fiel ao
lado dele. No início do século, um trabalhador que buscasse as
iniciativas sindicalistas revolucionárias para isso, seria estimulado a
construir essa subjetividade em torno da possibilidade de uma revolução
social e do socialismo. Isso vale para todas as questões.
Estamos falando isso porque nos parece fundamental entender por que
essas igrejas estão crescendo e encontrar alternativas capazes de dar
respostas a essas necessidades, mas com um conteúdo profundamente
distinto. Ou seja, precisamos ter a capacidade de construir uma cultura
política de classe, por meio dos movimentos populares, que reconstrua o
tecido social nessas periferias por meio da solidariedade, e que dê a
esse processo um conteúdo classista e transformador - isso deve ser um
aspecto central de um projeto de poder popular. Essa questão não será
resolvida apenas criticando as igrejas evangélicas, pois é fundamental
dar respostas a essas necessidades do capitalismo contemporâneo. Esse é
um dos grandes desafios de nosso projeto comunitário para as periferias
urbanas.
Vocês poderiam nos dar um panorama histórico e contemporâneo do
sindicalismo no Brasil? O movimento é controlado pelas correntes
pós-stalinistas e trotskistas?
Para entender o movimento sindical brasileiro, é importante retomar as
origens do sindicalismo no Brasil, que se deu no início do século XX.
Naquele momento, houve protagonismo dos anarquistas por meio do
sindicalismo revolucionário, que garantiu independência de classe e
autonomia de organização aos trabalhadores.
Ao longo dos anos 1930, no governo de Getúlio Vargas, houve um processo
de atrelamento dos sindicatos ao Estado. Em resumo, o que aconteceu foi
o seguinte. Por um lado, após forte pressão, o governo cedeu a certas
demandas históricas da classe trabalhadora brasileira relativas a
direitos trabalhistas (entre outros: salário mínimo, jornada de oito
horas, férias remuneradas, descanso semanal). Mas afirmou publicamente
que aquilo era uma iniciativa do próprio governo. Por outro lado,
implementou uma estrutura sindical (unicidade sindical, imposto sindical
compulsório e investidura), que tornou os sindicatos organismos de
Estado e que podiam ser controlados pelo Estado. Ou seja, o governo
Vargas limitou muito as possibilidades sindicais.
Outros fatores - tais como a linha internacional stalinista do Partido
Comunista, que promovia um sindicalismo reformista baseado na
conciliação de classes - contribuíram para que se estabelecesse no país
um consenso de que o sindicato, em termos organizativos, era uma
estrutura atrelada ao Estado e que servia apenas para tratar de pautas
econômicas, por meio da negociação visando a conciliação entre o capital
e o trabalho. Essa estrutura sindical, herdada dos anos 1930, continua
em grande medida a pautar a maneira como os sindicatos, ainda hoje,
estão organizados no Brasil.
Atualmente, em grandes linhas, é possível dizer que há no país dois
grandes setores no movimento sindical. Um, que defende o sindicato
atrelado ao Estado e que sua função é conciliar (muitas vezes até
defender) as demandas dos patrões e dos trabalhadores. E outro, que
defende a independência de classe e que o sindicato é um instrumento dos
trabalhadores para expor e fomentar o conflito de classes. Obviamente,
dentro desses dois amplos setores, há diferentes posições, que vão desde
as centrais sindicais que defendem as políticas neoliberais até aquelas
que defendem a revolução socialista.
Para entender as principais correntes que atuam hoje no movimento
sindical, é fundamental entender a questão da unicidade sindical,
estabelecida lá nos anos 1930. A unicidade sindical estabelece que cada
categoria possui (e pode possuir) apenas um sindicato, que é autorizado
pelo Estado para representar os trabalhadores daquela categoria. Não é
como na Espanha, onde qualquer trabalhador pode escolher o sindicato ou
central sindical que irá lhe representar. No Brasil, o trabalhador
precisa obrigatoriamente se filiar ao único sindicato que está
autorizado a representar sua categoria. Isso faz com que haja uma
disputa, sindicato por sindicato e em cada categoria, para apenas
posteriormente as direções eleitas aprovarem a qual central sindical o
sindicato irá se filiar.
Para dar um exemplo prático, um professor das escolas estaduais não pode
escolher se filiar à central CSP-Conlutas (que defende a independência
de classe), como um professor espanhol pode escolher se filiar à CGT ou
ao Solidaridad Obrera. No Brasil - se for de São Paulo, por exemplo -,
esse professor só pode se filiar à APEOESP, que é o sindicato de
professores do estado de São Paulo. A partir disso, esse professor pode
disputar o dia a dia do sindicato para que ele assuma certas posições e
se filie a alguma central sindical. No caso da APEOESP, o maior
sindicato da América Latina, ele filiado à Central Única dos
Trabalhadores (CUT), que é majoritariamente dirigida por uma corrente
interna do PT.
Isso coloca aos sindicalistas brasileiros apenas duas opções. Uma delas,
participar dos sindicatos únicos e investir na disputa interna. Ou então
investir na criação de uma estrutura sindical paralela. Houve e há
algumas iniciativas nesse segundo sentido, mas que vêm se mostrando
profundamente limitadas, em termos da quantidade de trabalhadores
vinculados e, especialmente, das capacidades reivindicativas nos locais
de trabalho. Em nossa análise, a opção de criar um sindicalismo
paralelo, ao menos neste momento histórico, nos distanciaria da base
real dos trabalhadores e reuniria apenas algumas dezenas de
trabalhadores por meio de critérios demasiadamente ideológicos, na
medida que os sindicatos não teriam a capacidade de lidar com a
realidade concreta dos trabalhadores comuns.
Por exemplo, nessa conjuntura de refluxo do movimento sindical,
dificilmente um metroviário irá se filiar a um sindicato paralelo,
incapaz de negociar salários, condições de trabalho etc., e que não lhe
dê respaldo político e jurídico contra a demissão. Isso é ainda pior
quando falamos de trabalhadores precários, cuja estabilidade mais frágil
faz com que, ainda que tenham vontade, enfrentem dificuldades enormes
para se filiar a um sindicato paralelo. Por exemplo, um trabalhador
terceirizado da limpeza, depois de uma longa jornada de trabalho, muitas
vezes marcada por repressão patronal, se se ausentar do trabalho para
uma atividade desse sindicato paralelo, pode perder a cesta básica ou um
dia de trabalho, pode ser transferido para locais mais insalubres ou
mesmo ser demitido.
Hoje, o campo que defende a independência de classe (trotskistas, alguns
setores anarquistas, marxistas autonomistas etc.) é bastante
minoritário. As maiores centrais sindicais brasileiras são a CUT - que
tem uma linha socialdemocrata/social-liberal, dirigida majoritariamente
pelo PT - e a Força Sindical - que é controlada por setores da direita e
da burocracia sindical patronal. Centrais intermediárias são a União
Geral dos Trabalhadores (UGT) - que tem uma linha de defesa das
políticas neoliberais -, a Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do
Brasil (CTB) - que é controlada majoritariamente pelo Partido Comunista
do Brasil (PcdoB), um racha do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e que
segue a linha do PC Albanês. Há também outras organizações menores.
Dentre elas, a única central sindical que defende a independência de
classe, e que é dirigida majoritariamente pelos trotskistas, é a Central
Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas). Outra organização dessa
linha, que não é uma central e tem bem menos sindicatos/membros, é a
Intersindical "Vermelha" (Instrumento de Luta...).
Os pós-stalinistas, em geral, possuem pouca inserção no movimento
sindical brasileiro. Devido à sua flexibilidade ética e estratégica,
costumam estar próximos das categorias de maneira mais pragmática,
vinculando-se muitas vezes à CUT, mas sem quase nenhuma força social
capaz de influenciar as políticas da central, e muito menos o conjunto
do movimento sindical brasileiro.
O que vocês acham do anarcossindicalismo e do sindicalismo
revolucionário? Seria possível caminhar para uma tendência autônoma no
sindicalismo?
Dentro desse complexo quadro sindical, nossa aposta, tentando adaptar
elementos do sindicalismo revolucionário, tem sido construir as lutas
nesses sindicatos existentes e fazer a disputa dentro deles. Em todos os
sindicatos que estamos, temos tentado convencer os trabalhadores que o
modelo de sindicalismo baseado na independência e no conflito de classes
é aquele que conduz às a vitórias concretas, e que permite acumular
força social para, mais adiante, romper com o sindicalismo de Estado e
impulsionar transformações de maior envergadura.
Entendemos que é necessário criar uma estrutura real, com uma base forte
e que consiga responder à conjuntura, respaldar os trabalhadores
filiados contra os patrões e disputar a hegemonia com as centrais e
tendências que defendem a burocracia sindical. É claro que isso não
depende apenas da nossa vontade, não acontece de um dia para o outro, e
que só é possível com um planejamento estratégico de médio e longo
prazo, que dê conta de estabelecer, passo a passo, as tarefas necessárias.
Quando observamos a história do anarquismo, do anarcossindicalismo e do
sindicalismo revolucionário, encontramos muitas referências para isso
que estamos fazendo. Sabemos que, dependendo do país e da região, a
diferenciação entre anarcossindicalismo e sindicalismo revolucionário
muda bastante e é motivo de polêmicas.
Para nós, quando, em termos de estratégia de massas, damos preferência
ao sindicalismo revolucionário frente ao anarcossindicalismo, é porque,
por exemplo, entendemos que o modelo sindicalista revolucionário da
Confederação Operária Brasileira (COB), fundada em 1908 - baseado na
proposta de um sindicalismo que abarcasse todos os trabalhadores
dispostos à luta, sem uma vinculação explícita e programática com uma
ideologia ou doutrina -, é mais interessante do que o modelo
anarcossindicalista da Federación Obrera Regional Argentina (FORA), de
1905 em diante - baseado na proposta de um sindicalismo vinculado
ideológica e programaticamente ao anarquismo. Para nós, o anarquismo
deve estar dentro do movimento sindical, e não o contrário.
O sindicalismo revolucionário que defendemos se torna claro com a linha
de massas que explicitamos anteriormente. Não queremos sindicatos ou
movimentos anarquistas, mas de trabalhadores, que possam ter no
anarquismo uma referência influente, desde certas práticas que sejam
capazes de apontar para uma transformação social nas linhas que
sustentamos. Entretanto, sabemos que há um longo caminho para que essa
estratégia tenha condições concretas de ser implementada em larga escala
no Brasil. Mas na medida em que acreditamos que os meios devem ser
coerentes com os fins, e conduzir a eles, buscamos construir desde já,
nos sindicatos que temos presença, essa perspectiva estratégica.
Vocês podem falar um pouco sobre a situação do campo no Brasil?
Antes de tudo, é importante mencionar a importância que a questão da
concentração fundiária tem na formação social do Brasil, no campo e na
cidade. Atualmente, o Brasil possui 453 milhões de hectares sob uso
privado, que correspondem a 53% do território nacional. Desde o período
colonial, as classes dominantes do país vêm tentando criar as condições
para a manutenção da propriedade privada nessa concentração fundiária.
Em 1850, quando o movimento abolicionista ganhava força e antes da Lei
da Abolição da Escravatura, a Lei de Terras foi estabelecida para
regulamentar a propriedade privada no país. Isso impediu, entre outras
coisas, que a população negra pudesse ter a propriedade de terras para
viver e trabalhar, e contribuiu com a exclusão social dessa população.
Ou seja, parte das desigualdades sociais, das relações de dominação e do
racismo estrutural no Brasil está relacionada ao processo histórico de
concentração de terras no país.
Por isso, historicamente, existiram diversos processos de revolta e
mobilização no campo brasileiro, assim como atualmente existem
diferentes movimentos do campo, desde os mais organizados a nível
nacional, até grupos menores e locais. Ao longo da história do país, a
população do campo vem sendo sistematicamente expulsa para as grandes
cidades por conta da concentração de terras, da grilagem, da violência e
da falta de políticas que garantam que os pequenos agricultores e
trabalhadores do campo possam continuar nesse local. Isso tem levado a
uma concentração populacional cada vez maior nas grandes cidades.
Em grande parte, esse contexto histórico também explica por que o Brasil
segue sendo um país agrário exportador de grãos, carnes, minérios e
outros produtos primários. O Brasil tem 45% de sua área produtiva
concentrada em propriedades superiores a mil hectares - apenas 0,9% do
total de imóveis rurais. E grande parte da produção brasileira de
commodities agrícolas está vinculada a conglomerados de estrutura
verticalizada, que controlam todo o processo, do plantio à
comercialização. São empresas que exploram o mercado de terras, tanto
para produção de commodities quanto para especulação financeira. Apesar
disso, mais de 70% dos alimentos consumidos pela população brasileira
são produzidos pela agricultura familiar e por pequenos agricultores,
mas que ocupam a menor quantidade de terras agricultáveis do país.
Esse modelo tem se aprofundado e avançado sob os governos neoliberais e
de extrema-direita, como os de Temer e Bolsonaro, mas também vem se
mantendo nos governos de Lula e Dilma. O lobby do agronegócio no Brasil
é institucionalizado e forte; ele funciona no Congresso a partir da
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA, formalizada com este nome em
2008). Mais recentemente, os ruralistas se organizaram no movimento
Invasão Zero, um tipo de iniciativa paramilitar que tem apoio de setores
da segurança pública, reprimindo ocupações de terra e retomadas de
território de comunidades indígenas, principalmente nos estados do Pará
e da Bahia. Os conflitos e assassinatos no campo e nas florestas
continuam no governo Lula, principalmente nas áreas de avanço da
fronteira agrícola, nas regiões norte e nordeste do país.
Em 2021, o governo Bolsonaro criou o programa Titula Brasil, com o
objetivo de privatizar os assentamentos e acabar com as políticas de
Reforma Agrária. E também de promover a desestruturação do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), estimular o aumento
da violência no campo e a destruição do meio ambiente. Apesar de
englobar o país todo, o Titula Brasil foi desenhado especificamente com
o propósito de agilizar o processo de regularização de imóveis na
Amazônia Legal, foco principal da política fundiária expansiva defendida
por Bolsonaro.
Além de estimular o avanço da fronteira agrícola, principalmente no
norte e no nordeste, essa política atendeu também aos interesses do
setor da pecuária industrial, parte da base bolsonarista e setor mais
retrógrado do agronegócio. Há também o setor do agronegócio dos grandes
latifúndios mecanizados e tecnológicos, de monocultivo de grãos vendidos
como commodities agrícolas para se transformar em ração para o gado em
países como a China.
Por outro lado, o Plano Safra (programa de incentivo ao setor
agropecuário) do governo Lula, em 2023, destinou apenas 20% do total do
orçamento para a agricultura familiar, enquanto a maior parte dos
recursos federais seguem para financiar o agronegócio e os
latifundiários, que ainda contam com isenções fiscais. A liberação de
agrotóxicos, muitos deles proibidos na Europa, segue também no governo
Lula. O total de registros de agrotóxicos em 2023 foi de 555, abaixo do
total registrado em 2022 (652) e 2021 (562), mas ainda no mesmo patamar
dos governos Temer e Bolsonaro.
E qual é a situação do movimento camponês sem-terra neste momento?
Inicialmente, é importante caracterizar aqui, em linhas gerais, dois dos
maiores movimentos do campo no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
Por seu tamanho, eles acabam pautando essa questão no país, e é por isso
que hoje não podemos entender o movimento camponês sem falar deles.
O MST foi fundado em 1984, e o MPA em 1996. Ambos compõem o chamado
"projeto democrático popular", de acordo com a terminologia dos anos
1980 e 1990. Esse projeto atualmente dirige majoritariamente outros
grandes organismos, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), no
setor sindical, e a União Nacional dos Estudantes (UNE), no setor
estudantil. E tem no PT seu grande representante político-institucional.
Ou seja, trata-se de um campo que compõe diretamente o petismo ou que
possui grande influência dele.
É importante lembrar que o MST e o MPA também compõem a Coordinadora
Latinoamericana de Organizaciones del Campo (CLOC) e a Via Campesina,
junto com o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento de
Mulheres Camponesas (MMC), Movimento de Pescadores e Pescadoras
Artesanais (MPP), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Coordenação
Nacional das comunidades quilombolas (CONAQ), Movimento pela Soberania
Popular na Mineração (MAM), Federação dos Estudantes de Agronomia do
Brasil (FEAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Associação dos
Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF) e Conselho Indigenista
Missionário (CIMI).
O MST tem como principal linha programática a Reforma Agrária Popular,
partindo da brutal concentração de terras no Brasil. Nesse sentido,
elaborou um programa que pensa tanto as questões agrárias (a
democratização do acesso à terra para quem vive e trabalha nela) quanto
agrícolas (condições, técnicas e formas de produzir na matriz
agroecológica). Atualmente, isso envolve diversos temas e pautas como
gênero, educação do campo, saúde, LGBT, formação, produção,
comercialização, habitação, cultura entre outros.
O MPA surgiu nos anos 1990, por entender a insuficiência do sindicalismo
rural para dar conta das demandas de sobrevivência dos pequenos
agricultores naquele momento. Defende e apoia a reforma agrária, mas
organiza famílias camponesas e de pequenos agricultores que já têm a sua
terra. E o fazem segundo um entendimento de que é preciso políticas que
garantam a manutenção dessas famílias no campo e que evitem que as
pessoas tenham que deixar a terra para tentar sobreviver nas grandes
cidades. Ou seja, políticas para habitação, apoio à produção, créditos,
comercialização, cultura, lazer, saúde, infraestrutura, educação do
campo entre outras. O Plano Camponês é o programa que sistematiza as
principais propostas do movimento para essas pautas.
Falando sobre a luta nesse setor na atual conjuntura, no início do atual
governo Lula ocorreram ocupações em mais de 10 cidades, protagonizadas
por outro movimento, a Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FLN) no
sudeste e no sul do país. A FLN foi fundada em 2014, e tem como uma das
principais referências um ex-militante histórico do MST, Zé Rainha.
Também ocorreram nesse período ações de ocupação temporária do Incra
pelo MST no sul da Bahia. Apesar desse início de ano, recordemos que os
movimentos ligados à Via Campesina e ao campo democrático popular
optaram por uma linha de recuo a partir do primeiro governo PT (2003 em
diante), e não apontam nenhuma mudança significativa, sobretudo no novo
governo de Lula.
Por exemplo, no primeiro governo PT (2003-2006), o MST adotou a linha de
não avançar com as ocupações de terra, mas qualificar os assentamentos
já existentes. Apostou na liberação de políticas de créditos e de
fomento para a produção, que ajudassem a estruturar as cooperativas de
beneficiamento e comercialização nos estados, como as de crédito,
laticínios, arroz e derivados do leite. Se por um lado a organização de
ferramentas econômicas é importante como forma de agregar valor à
produção e gerar renda para as famílias assentadas, formar nas
metodologias do trabalho cooperado e coletivo, desenvolver conhecimento
e tecnologia, e organizar o território, por outro lado isso pode gerar
muita dependência de políticas públicas, créditos e programas do
governo. O que contribui para uma linha que busca mais negociar primeiro
e evitar pressionar o governo, e que, com o tempo, constrói uma cultura
política de adaptação ao sistema em detrimento de uma política combativa.
O fato é que pouca coisa mudou na política da reforma agrária e para a
agricultura familiar nos primeiros governos Lula e no governo Dilma
(2003-2016). E piorou ainda mais com os governos Temer e Bolsonaro.
Apesar disso, os movimentos do campo democrático popular se limitaram a
algumas manifestações pontuais e a ocupações de caráter mais político e
de curta duração. Seja porque foram perdendo a capacidade de mobilizar
suas bases, seja porque preferiram deixar o governo Bolsonaro se
desgastar, apostando numa mudança de conjuntura via eleições e não pela
pressão social das lutas e das ruas.
Nesse meio tempo, o MST e o MPA avançaram em diferentes formas de
diálogo e propaganda com a sociedade. Isso inclui pautas de gênero e
LGBT, campanhas de doação de alimentos para comunidades e favelas
(principalmente na pandemia). E além disso: formações de agentes
populares de saúde, feiras da reforma agrária estaduais e nacionais,
produção de arroz orgânico. Exemplos disso são espaços como os Armazéns
do Campo (MST) e Raízes do Brasil (MPA) em grandes capitais, nos quais
se comercializa a produção agroindustrializada das cooperativas e se
realizam atividades políticas e culturais. Foram avanços, apesar de
grande parte desse diálogo ter sido feito principalmente com os setores
médios urbanos. Algo que acabou dando ao movimento uma cara mais
palatável e higienizada, e apagando a antiga imagem dos camponeses com
suas foices em grandes marchas e ocupações.
Nas eleições presidenciais de 2022, o MST e outros movimentos, como os
indígenas, apostaram também nas candidaturas próprias para deputado
estadual. Outros, como os petroleiros, apoiaram candidatos de setores
próximos. Isso foi feito para tentar fazer com que determinadas
políticas e pautas avançassem em nível institucional, mas terminou
contribuindo ainda mais com o distanciamento desses movimentos das
políticas de ação direta. Ao mesmo tempo que demanda parte importante
das energias dos movimentos, também se relaciona ao fato de que, mesmo
com um governo petista e do mesmo campo político, as pautas da reforma
agrária continuem a não avançar. Assim como também não houve avanços
significativos nas políticas de reforma agrária e de agricultura
familiar nos primeiros governos Lula e no governo Dilma. Atualmente, são
cerca de 90 mil famílias ainda acampadas no Brasil, aguardado o avanço
da reforma agrária.
Nossa perspectiva é que, diante da estagnação no atendimento às pautas
do campo pelo governo, as ocupações de terra e as mobilizações de massa,
em diferentes níveis, sejam retomadas. Pois, além do governo Lula estar
cedendo cada vez mais ao chamado "centrão" (como colocado, a direita
tradicional do Congresso), a extrema-direita bolsonarista também segue
se mobilizando. Enquanto isso, uma série de direitos sociais estão
ameaçados ou precisam urgentemente avançar. E isso só com pressão popular.
Processos de mobilização para pressionar o governo por pautas sociais,
assim como processos de ocupação de órgãos públicos e ocupações de terra
e moradia são também importantes táticas pelo caráter formativo e de
ajudar na renovação da militância. O recuo é nocivo aos movimentos
sociais, pois leva a cada vez mais desmobilização de suas bases e menos
capacidade de produzir força social. E produz, em consequência, menos
influência na sociedade e menos construção de referencial no campo da
esquerda, como exerceram de forma relevante o MST e outros movimentos
até o final dos anos 1990.
https://socialismolibertario.net/2024/09/13/fica-evidente-que-nao-ha-qualquer-possibilidade-de-apostar-no-espontaneismo/
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